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Negócios e família - há espaço para sucessos nestes cenários?

Da segunda metade do século passado em diante este modelo social-econômico foi posto em dúvida

Autor: Suyen MirandaFonte: Revista Incorporativa

Não tenho dúvidas que um dos elos mais fortes de confiança mútua é o laço familiar. Por conta dele estabelece-se a base de toda a sociedade como a conhecemos, tanto no aspecto ocidental quanto nas culturas orientais. Entretanto, embora o núcleo familiar tenha sido, por anos, a fonte de origem da maior parte dos negócios bem sucedidos que conhecemos, da segunda metade do século passado em diante este modelo social-econômico foi posto em dúvida. 

Mesmo com o questionamento quanto ao modelo familiar nos negócios, ele permanece ativo e pode ser considerado um modelo perfeito quando são respeitados pontos fundamentais no que tange a gestão de pessoas - a compreensão dos papéis conforme o ambiente referência. Uma família composta por pai, mãe e dois filhos terá esta conformação no ambiente "casa", familiar, mas terá nova roupagem dentro de uma hierarquia empresarial, onde por vezes a mãe atua como a secretária ou coordenadora administrativa, os filhos são contactos comerciais e o pai, em muitos casos o empreendedor mor da empresa, passa a ser o diretor executivo. Neste cenário o que conta é o papel profissional, que embora seja conduzido por laços originalmente familiares passa a ser medido por uma gestão de competências. 

Quando a empresa está no seu nascente, ou passando por dificuldades de caixa e fluxo de capital é comum pensar em reduzir custos colocando em seus quadros profissionais "de alta confiança" alicerçados em seus papéis familiares. O que compromete esta possibilidade é justamente o fato que, em momentos de dificuldade de qualquer natureza, será necessário empreender um esforço maior, abrir novos mercados, repensar fluxos de trabalho. E por vezes este profissional "vindo de casa" está aquém das competências necessárias para o bom desempenho na atividade que irá empreender. Quando isso acontece, dois problemas surgem: o fato que o profissional não era adequado e portanto não desempenhou a ação de forma esperada, sem trazer os resultados gera desconforto, duplicado pela relação profissional ter se originado num cenário familiar. 

Não há problemas em ter pessoas da família ou agregados em empresas - há diversos casos bem sucedidos - desde que sejam respeitadas as condições fundamentais para a escolha de um bom profissional: a adequação da pessoa ao cargo, suas expectativas e performance, bem como os pré requisitos que a função exige, dentro do aspecto de crescimento do negócio. O problema comum apresentado em empresas com gestão familiar que entram em colapso reside na mistura dos papéis ou justificação dos mesmos por argumentos pessoais - é a filha, ou o genro, que não pode ser desligado da empresa sob pena de "perda de afeto", entre outros casos bizarros. 

Recentemente deparei com uma empresa onde o pai começou o negócio há duas décadas, e hoje os filhos estão preparados para a continuidade e perpetuação da atividade. Ali um desconforto se mostrava pela anual divisão de lucros em bônus conforme o desempenho de cada área do negócio da empresa. Os irmãos - que o pai ainda os via como "o garoto" e a "mocinha" - há tempos comentavam com o pai da necessidade de premiação por mérito, e não por igualdade nos bônus anuais. O detalhe é que "o garoto", conhecido na empresa como o pesquisador clínico científico Dr. Antonio, e "a mocinha", a engenheira de processos de saúde Dra. Solange, sentiam-se como que "agradados" pelo pai via sistema de bônus de produtividade, o que mais parecia paternalismo do que um crescimento saudável da área de negócios. Sem falar no fato dos funcionários de ambos perceberem a visão do fundador da empresa como sendo "o papai dos garotos". 

Um ponto importante na gestão familiar é a divisão clara de tarefas e papéis, bem como a definição de cargos e salários, atividades e expectativas. Estas últimas são cruciais para que não aconteçam situações que vão contra a própria empresa, como a alocação de pessoas despreparadas em cargos chave simplesmente por laços consangüíneos e de "pretensa confiança", que são creditados a familiares. O aspecto "redução de custos" dificilmente será uma justificativa capaz de motivar os parentes a participar da empresa ativamente, e neste caso muito melhor é estimular os descendentes a encontrar novos rumos capazes de abrir grandes potenciais de negócio e manter o lado familiar a salvo. 

Em São Paulo, uma das principais empresas de servidores internet começou e permanece sendo gerida por dois irmãos e a mãe. Os irmãos começaram o negócio a partir do balcão de roupas herdado pelo pai, que por sua vez herdou do avô que fugiu da Europa em meio à guerra e se estabeleceu na cidade fazendo as primeiras oficinas de costura. Pois os bisnetos começaram, ainda adolescentes, a informatizar o negócio familiar, e a partir dele acrescentaram o crescimento da internet. Pouco tempo depois, já graduados em computação, começaram o negócio de servidores online e convidaram a mãe para "dar uma mãozinha" e atender telefones, secretariar os dois enquanto visitavam clientes externos. A mãe aprendeu rotinas administrativas e financeiras que proporcionaram a ela a condição de, hoje, ser a diretora financeira da empresa e os filhos, criadores do negócio, sócios inovadores capazes de trazer tecnologia de última geração para o negócio tendo o respaldo do controle financeiro feito pela mãe. Entre eles, os papéis pessoais - a família e o afeto - mantém-se ativos pela confiança mútua que estimulou vencer desafios, enquanto que os papéis profissionais - as decisões estratégicas e planos de negócio - caminham separados e por indivíduos que se vêem por sua competência e capacidade, mesmo tendo uma história afetiva para complementar.